quarta-feira, 1 de junho de 2011

Pague pra ver

Em 1970, no auge de sua carreira, Pelé recebia por mês o equivalente a R$ 5.540,00. O maior jogador de todos os tempos passou 18 anos vestindo a mesma camisa, a do Santos Futebol Clube. 40 anos depois o jogador mais caro do mundo, Cristiano Ronaldo, com apenas 26 anos já vestiu 3 camisas diferentes e foi comprado pelo Real Madrid por 93 Milhões de Euros. O jogador português marcou apenas um gol em Copa do Mundo.
O futebol passou por uma revolução nesse período que separa Pelé e Cristiano Ronaldo, deixou de ser um esporte, cujo intuito principal é laurear seu grande praticante através de disputas diretas. Hoje, o futebol se tornou um entretenimento, uma peça fundamental para a audiência de televisões, para vendagens de Jornais, para exposição de marcas e claro, tudo isso só existe porque (hoje) o futebol é um produto na vitrine, a ser consumido.
A compreensão desse momento chama para uma reflexão. Para alguns grupos de torcedores o futebol caminha para sua elitização, para outros, mais radicais, trata-se de um processo que culminará na extinção do esporte.

Segmentos de torcidas de clubes começaram a se articular para lutar contra a construção de novas arenas, a chegada cada vez mais assídua de jogadores estrangeiros e a tentativa de padronizar o comportamento dos torcedores. O movimento “Não ao Futebol Moderno” tenta combater a elitização da arquibancada. Ele surge na Europa, há muita dúvida sobre o país certo, mas a grande teoria é que seja na Itália, a expressão é italiana “no al calcio moderno.”

O sistema contestado por esse movimento tem suas ações e reações explicadas no torcedor, é ele quem move a engrenagem que dá vida ao que se entende por futebol moderno. O comportamento adotado pelos movimentos filhos do “no al cálcio moderno” vai de encontro com algumas práticas de torcedores nas arquibancadas, há hoje uma institucionalização das torcidas. Tenta-se criar um padrão de comportamento que induza a ação do torcedor, proibições como bandeiras, sinalizadores, bebidas e instrumentos, minam a espontaneidade do indivíduo que quer externar a paixão por seu time, será que chegaremos a ver jogos de futebol como se assiste uma partida de tênis?

Na tentativa de se copiar modelos internacionalizados as autoridades vão ceifando o instinto natural do torcedor brasileiro, é cultural, não adianta querer coibir que se mije no chão se os banheiros são podres e não constrange ninguém a incorporar sua má educação ao ambiente fétido. Até palavrões já tentaram evitar nas arquibancadas, a censura barata talvez faça parte de um grande projeto de maquiar o Brasil e fantasiá-lo de primeiro mundo para o mundo ver em 2014.

Os aficionados compram camisetas de grandes ídolos internacionalizados e ingressos cada vez mais caros, justificados como venda de espetáculos, que (para os organizadores) vão além do esporte. Em campo, não são só jogadores, são celebridades que carregam consigo inúmeras marcas a serem representadas. Para esses astros de chuteiras: estádios modernos, que não ostentam mais o nome das cidades ou dos bairros de sua origem, nem mesmo homenageiam grandes ídolos do passado, agora são emoldurados pelo nome do patrocinador da arena.
Todos esses patrocinadores querem o retorno de seus investimentos, para tanto, contam com os torcedores comprando produtos, cada vez mais variados, de seus clubes de coração.

O comprometimento dos jogadores com as equipes é questionado também. Os craques invariavelmente são trazidos de seus países ou clubes de origens em valorosas transações, a sua identificação com a instituição que passa a defender é avalizada pelo dinheiro. Formam-se então verdadeiras seleções pelo mundo, são grandes times, craques em todas as posições, mas são escretes arranjados para poucas torcidas aplaudirem em seus estádios e multidões bajularem pela televisão.

Para que se tenha uma ideia, a Internazionale de Milão tem em seu time, com trinta jogadores, apenas seis Italianos, o Real Madrid tem em seu elenco apenas 9 jogadores originários da Espanha. Na contramão desse discurso está uma vitória do futebol contra o mercado ostensivo, o Barcelona. O clube catalão possui em seu elenco 12 jogadores oriundos de seu próprio país, sendo 7 titulares absolutos, desses 7 somente 2 não são formados nas divisões de base barcelonista.

Em 2014 o Brasil vai receber a Copa do Mundo, estamos tentando cumprir uma agenda de encargos estabelecida pela FIFA, alguns clubes já respiram ares europeus em suas administrações e falam em arenas modernas, craques estrangeiros, emissoras de tv´s e marcas associadas ao clube, interferindo inclusive em suas gestões.

Vai morrer, futebol?

Igor Carvalho